sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Por que nosso Deng?, por Riverman

Na coluna de O Estado de São Paulo de Carlos Alberto Sardenberg de 19 de Dezembro, Lula é tido como nosso Mao-Tsé Tung, em referência ao ditador chinês que virou lenda como um grande líder, mesmo ao levar multidões de compatriotas à fome e à miséria, enquanto Fernando Henrique, seu antecessor no cargo Executivo, como Deng Xiaoping, o criador do sistema socialista de mercado, que, mesmo à sombra do primeiro líder vermelho daquele país, deu as bases para que a China se tornasse, hoje em dia, uma potência florescente da economia mundial.

Tudo bem que Lula tem seus deméritos. Não concordo também com sua política abrangente demais no assistencialismo e carente em reformas fiscais, algo que se traduz numa hipócrita intencionalidade de que o presidente fez uma política baseada no apoio às classes média e baixa. Mas dizer que Fernando Henrique Cardoso, através do seu governo privatizador, tornou possível um país que hoje em dia consome mais é uma falácia.

O único ponto positivo de sua administração foi ter conseguido controlar uma política inflacionária quase crônica nos seus 3 primeiros anos - a inicial manutenção artificial de paridade do dólar com o real também gerou reveses à economia nacional, mas era uma medida necessária. De resto, me parece desculpa esfarrapada dizer que ao executar uma política mais aberta ao capital privado não só nacional, mas também estrangeiro, o sociólogo tenha promovido o alicerçamento de uma situação atualmente mais favorável.

Enfim, defender as políticas econômicas peessedebistas parece incoerente num país onde o patrimônio público foi corroído em troca de míseros milhões e bilhões de dólares, e tudo isso em favor do capital estrangeiro. Logicamente que o PT também ficou aquém do que o povo brasileiro esperava, mas nosso ápice consumista, onde todas as classes aumentaram seu poder de consumo, foi alcançado graças a medidas menos ortodoxas do governo lulista, que, como eu já disse, apesar de decepções na área das reduções de impostos, proporcionou mais acessos a produtos antes nunca imaginados a determinadas camadas sociais.

Ou seja, o PT, mesmo que minimamente, recuperou sim o nosso setor econômico, inclusive a moeda, reiterando aí o mérito da social-democracia de ter criado e mantido por alguns anos uma moeda que se coloca longe daqueles ateradores índices inflacionários, que batia na casa dos 4 dólares ao final do governo tucano. Se a intenção de chamar Cardoso de nosso Deng foi por questões desenvolvimentistas, me desculpe, mas, com isso, não devo concordar...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

"Tem importância sim", por Riverman

Para muitos, Noam Chomsky, o gênio da lingüística que revolucionou sua área ao estudara gramática generativa transformacional, tem apenas um quê de conspirador quando passou a publicar obras relacionadas à política: escritos infanto-juvenis, que, segundo seus críticos, são editados apenas para atender um segmento mais interessado em romances do que em obras de caráter científico ou melhor apuradas em seu conteúdo.

Apesar desse rótulo, o escritor norte-americano, para mim, é um dos críticos mais lúcidos dos empreendimentos, principalmente os da área das relações externas, de seu próprio país. Suas obras realmente soam como algo hecatômbico, a partir de seus títulos: O lucro ou as pessoas? e 11 de Setembro são nomenclaturas que realmente fazem o leitor ter uma reflexão inicial de que o livro tem o intuito de ser mais bombástico do que sério.

Porém, em suas páginas, Chomsky mostra que não está para brincadeira: através de apurações principalmente em veículos de imprensa, demonstra a verdadeira face dos EUA, a de um país que faz tudo para se manter no topo em detrimento de quem o desafia. Logicamente que grande parte dessas intenções permanece obscura, mas em seus escritos o lingüista demonstra que no próprio jornalismo de massa, através de declarações que às vezes soam como instrumentos políticos, os líderes do Tio Sam já são capazes de nos abastecer de aperitivos dos seus desejos hegemônicos.

Como um exemplo dessa dialética discursiva basta citarmos o terrorismo: enquanto que os atentados já causados por grupos fundamentalistas islâmicos são tratados sob este rótulo, as ações lideradas pelos norte-americanos, principalmente na América Latina, onde suas intervenções causavam milhares de mortes, são tidas como formas de combate à selvageria e à impunidade e de implantação da democracia. Mas que democracia é essa que, ao invés de levar a paz aos habitantes, injeta uma carnificina em determinada sociedade?

Claro que através de ensaios, Chomsky deixa suas publicações com uma linguagem mais leve, que atraia mais facilmente leitores leigos, ao contrário de alguns maçantes textos acadêmicos, que visam a se perpetuar em meios freqüentados por professores, estudantes e intelectuais. Mas dizer que estes escritos são meramente leituras românticas e conspiratórias é absurdo perto do conteúdo das obras chomskianas. Aliás, até os rótulos, como marxismo, freudianismo, são rechaçados pelo autor, que claramente deu e ainda dá a sua contribuição, não só ao mundo lingüístico, mas também ao político.