segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"O estigma global", por Riverman

Depois de seis anos atuando pelo São Paulo Futebol Clube, Richarlyson deixou a equipe conhecida como Tricolor Paulista e fechou contrato com o Atlético de Belo Horizonte. O problema de sua saída foram as feridas do preconceito deixadas num jovem atleta que, apesar das contestações, é um dos ídolos mais recentes da história do Time da Fé, graças às conquistas do tricampeonato brasileiro.

Filho de um atacante dos anos 80, Lela, que também foi campeão nacional, só que em 1985 pelo Coritiba, e irmão do também delanteiro Alecsandro, do Internacional de Porto Alegre, Richarlyson começou a viver seu calvário em 2007 a partir das afirmações do ex-diretor do Palmeiras José Cyrillo Júnior de que o atleta só não acertou contrato com o alviverde pois o clube “nunca teria um atleta gay no seu elenco”.

Anteriormente, o jornal Agora noticiou que o programa dominical Fantástico, da Rede Globo, entrevistaria um atleta de uma grande equipe de futebol do país desejoso em assumir sua homosexualidade, o que teria gerado o rastilho para a afirmação dada pelo cartola palmeirense. Possivelmente orientado por advogados, ou até mesmo pela própria agremiação na qual labutava, Richarlyson, segundo dizem, teria se recusado de última hora a dar declarações à atração jornalística, o que teria deixado a emissora descontente com a sua atitude.

Desde então, já conhecido por bambi desde 2002, após declarações do jogador corinthiano Vampeta, o São Paulo passou a estar cada vez mais estigmatizado neste sentido. Mas a questão principal nem reside nessa discussão, que muitas vezes não passam de meras provocações entre trocedores rivais, e sim na perseguição cada vez mais cerrada ao meio-campista, introjetada sempre na imagem da equipe pela qual atuava. Na novela A Favorita, de 2008, da mesma emissora da atração que anunciou a entrevista de “desabafo”, um dos personagens da novela, Orlandinho, interpretado pelo ator Iran Malfitano, era um homossexual e torcedor tricolor no folhetim, de um modo “pra bom entendedor meia palavra basta”.

O pior de tudo isso foi o circo forçosamente armado para que fosse “provada” sua heterossexualidade: até namorada arrumaram ao rapaz, uma modelo que chegou a fazer ensaios a uma revista masculina. Como se isso fosse tornar o já popularmente conhecido Ricky, seu apelido junto aos outros colegas de profissão, melhor ou pior. Como se ser gay ou não fosse uma questão de “vida ou morte”.

Acredito que mesmo participando de brincadeiras como uma organizada pelo programa Pânico na TV, da RedeTV!, na qual uma mulher ao acertar a soma dos números de seis dados lançados beijaria o jogador, seu sofrimento, ao menos no início, deve ter sido dilacerante, principalmente se ele realmente tiver atração por homens, já que a impressão que fica é a de que aos olhos da sociedade ele é um inválido ao esporte “viril e masculino”, segundo afirmou o juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho na sentença do processo do futebolista contra o diretor que havia, no mínimo, sido indelicado nas suas considerações.

Que Richarlyson consiga, apesar das marcas, continuar vencendo no futebol e, apesar de não acreditar nisso, seria ideal que esse exemplo se tornasse o único e último no nosso esporte, pois o talento deveria, hoje e sempre, prevalecer sobre o que faz ou o que deixa de fazer um atleta fora das suas obrigações profissionais, desde que isso, obviamente, não afete de maneira negativa a terceiros. E essa crítica também cabendo à nossa toda-poderosa emissora de televisão, que, por pura irresponsabilidade, poderia até mesmo ter destruído a carreira profissional de um jovem esportista.

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